Por: Reginaldo da Rocha Santos Sales
O fenômeno da criminalidade urbana aflige a sociedade contemporânea e suscita as mais variadas discussões e inquietações, destacadamente no âmbito da Criminologia, que tem buscado compreender a interconexão entre o ambiente da cidade e a prática de crimes violentos.
Com a Revolução Industrial do século XVIII, tem-se uma guinada no processo de ocupação dos espaços pelo homem que passa a enxergar o ambiente urbano como local propício a melhores oportunidades de vida.
Neste contexto há uma massificação da ocupação desordenada de espaços nas cidades e consequente precarização das condições de moradia e vida digna, fazendo recrudescer os riscos e conflitos acentuados pela desorganização urbana e social, especialmente no cenário da vida globalizada.
Logo, vê-se a imprescindibilidade do controle social formal e informal como instrumentos de regulação, disciplina e resolução das querelas, alicerçado no Contratualismo como pressuposto legitimante de tal controle.
Neste cenário, percebe-se um elo entre a evolução da organização social, a maximização dos embates, a Teoria Criminológica da Escola de Chicago e a Criminologia do Lugar.
Esta correlação advém da centralidade dos estudos na ambiência urbana enquanto fator de propulsão para a criminalidade violenta, bem como do pragmatismo aplicado na pretensão de redução e prevenção dos delitos violentos, através da intervenção na contextura ambiental.
A partir do modelo contratualista de Estado na sociedade moderna, o homem rompe com o paradigma absolutista da ampla liberdade, abandonando o estado natural originário e sem subordinação à autoridade política, para estabelecer o estado social.
O novo paradigma de sociedade, orientado pelo movimento racionalista, passa a refutar o pensamento teológico e dá início à concepção de instituições, separação de poderes e limitação normativa, tendo como substrato um contrato social hipotético na busca pela pacificação dos conflitos, através do controle social estatal.
Todavia este modelo de pacto social passa a enfrentar duras críticas em função da expressiva desigualdade social – marcadamente na sociedade contemporânea – fazendo surgir a teoria do Neocontratualismo cuja preocupação se inclina para o combate a tal desigualdade e a busca da justiça social.
Nesta contextualização de sociedade globalizada há uma profunda majoração da produção de riscos e tensões que, potencializados pela desordem urbana e social, culminam em ambiência criminal, exigindo cada vez mais a intervenção estatal por meio do Direito Penal.
Com isto o controle social formal – desempenhado pelos órgãos do Sistema de Justiça Penal – assume função elementar no controle e disciplina dos desvios sociais, sem olvidar do controle social informal exercido no seio da própria comunidade, através da família, religião, escola, dentre outros diversos atores (GUIMARÃES, 2019).
E assim ganha relevância o estudo desenvolvido na Escola Sociológica de Chicago – desde o início do século XX – que delineou a intrínseca conexão entre o desordenamento urbano, a desestruturação social e a criminalidade na cidade.
Àquela altura a cidade de Chicago já começava a sentir os impactos do crescimento urbano desordenado, com estratificação social e embates em diferentes aspectos da sociedade, razão pela qual a cidade passou a ser o objeto de estudo.
Por isso mesmo havia uma preocupação significativa com a utilidade do conhecimento a ser atingido mediante as pesquisas de campo, a fim de que tais estudos pudessem colaborar no enfrentamento das implicações inerentes à estrutura social vigente.
Essa observação oriunda da filosofia pragmática, concretizou-se pelo empirismo através da pesquisa de campo, correlacionando a minoração do controle social informal, a desordem do espaço urbano e a ocorrência de crimes violentos (PARK e BURGESS, 1921; PARK e MCKENZIE, 1984).
No recorte criminológico, os pesquisadores de Chicago evidenciaram o crime muito mais como uma consequência do desordenamento urbano e social do que um desvirtuamento individual, tendo em vista a constatação de maiores índices de crimes violentos em localidades degradadas e com as maiores carências de diversas ordens.
Possível notar a importância de todo o estudo produzido pela Escola de Chicago, uma vez que não se limitou apenas na constatação da relação entre a defasagem estrutural urbana e a criminalidade.
Na verdade, seus estudiosos avançaram também para o apontamento de soluções não repressivas, a partir de políticas públicas de recuperação urbana e de inclusão social, no intuito de minorar a desigualdade e a inacessibilidade a instrumentos urbanos basilares para uma vida digna.
A interligação entre o ambiente físico e prática delituosa também é objeto de estudo da Criminologia do Lugar, que traça um elo entre ofensor, vítima, espaço e tempo, debruçando-se sobre a dimensão espaço-temporal e a interação humana (BRANTINGHAM; BRANTINGHAM, 1995).
Em contribuição a esta criminologia tem-se os estudos do Padrão Criminal, do Perfil Geográfico, da Teoria Situacional, da Escolha Racional, dentre outros, que se empenharam na determinação e explicação dos padrões comportamentais do criminoso a partir da relação com o ambiente em que inserido.
Aspecto relevante é o pressuposto de que o cometimento do crime não é um evento aleatório, na medida em que podem ser observados padrões relacionais à distribuição espacial e geográfica, trazendo a cabo que existe uma estrutura lógica do crime em dado lugar.
Seus estudiosos almejaram também entender aspectos como oportunidades para o crime, estratégias de decisão criminal e a relação entre a rotina do potencial criminoso e locais de crime.
Para isso, lançaram mão de análises sociodemográficas, temporais e espaciais com auxílio de mapas, objetivando a antevisão de crimes, assim como a identificação de variáveis ambientais que se correlacionam com o comportamento criminoso.
Apesar de algumas peculiaridades, é possível identificar grande similitude entre tais estudos, na medida em que o tronco comum de preocupação é a relação entre o crime e o espaço urbano em que inserido, enquanto fator de tensão e propiciação da atividade criminosa.
Outrossim, ambos demonstram atenção em relação ao restabelecimento dos vínculos sociais na comunidade, fortalecendo-se o controle social informal, como estratégia de minoração do processo de individualização urbana nas grandes cidades.
Talvez o principal ponto de interação entre tais pesquisas resida no pragmatismo que permeia seus estudos, tendo como objetivo maior a modificação ambiental como forma de prevenção à criminalidade.
Nesta perspectiva, uma parte da Criminologia lança – desde o século passado – sua atenção para o fenômeno criminal nas cidades, buscando compreender a influência do ambiente e a dinâmica urbana no cometimento de delitos, assim como almeja contribuir para a adoção de medidas que impliquem em redução e prevenção do crime.
Como se nota, revela-se imprescindível uma atuação das Instituições públicas e privadas na direção de supressão das omissões institucionais, especialmente das políticas públicas, seja na persecução de implementação das já existentes seja na contribuição e estímulo de novas medidas, até mesmo de ordem legislativa.
Aliado a estas intervenções, há um direcionamento sobre a necessidade de uma atuação mais próxima do problema e voltada para uma solução construída, dialogada e integrada com a comunidade, possuindo íntima ligação com a prevenção de conflitos, especialmente na esfera criminal.
Em última análise, vê-se uma postura ativa na busca da prevenção criminal, que sobeja o incremento do controle social formal pelos Órgãos do Sistema de Justiça Penal, demandando para além da obtenção de políticas públicas e planos de ação, uma intervenção construída sob a égide da coletividade, fomentando o controle social informal.
Por fim, voltando o olhar para a realidade local é possível identificar a atualidade e aplicabilidade das teorias da Escola Socioecológica de Chicago e da Criminologia do Lugar em qualquer grande centro urbano, como no caso da cidade de São Luís do Maranhão, e até mesmo nas cidades medianas que já experimentam tal problemática.
REFERÊNCIAS
BRANTINGHAM, Patricia L.; BRANTINGHAM, Paul J. Criminality of place. European journal on criminal policy and research, v. 3, n. 3, 1995.
GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Gestão de Segurança Pública e cidades: o papel dos Municípios no combate à violência. 2019. 100 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Policiais). Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna – ISCPSI, Lisboa, Portugal, 2019.
PARK, Robert E.; BURGESS, Ernest W. Introduction to the science of sociology. Chicago: The University of Chicago Press, 1921.
_________________; MCKENZIE, R. The City. Suggestions for investigation of human behavior in the urban environment. Chicago: Midway, 1984.
Autor
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Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Especialista pelo Instituto Brasiliense de Direito Processual – IDP. Mestrando em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Assessor de Procurador de Justiça no Ministério Público do Estado do Maranhão